12/05/2008

o ucraniano que metia medo

Mais de dois metros de altura, quase uma aberração de feira. A intérprete ucraniana, com brincos de filigrana que contrastam com a altivez da sua cabeleira loura, traduz apressadamente. A cada pergunta em português correspondem muitas palavras em russo, numa complexidade linguística que parece reflectir a complexidade de um povo. Os olhos do arguido, de um marinho empedernido, não exprimem qualquer emoção, excepto quando diz ter uma filha. Aí, quase um sorriso. Que é pedreiro cá, mas engenheiro na Ucrânia, embora lhe falte o engenho para mentir com aprumo, tal o chorrilho de mentiras em que se enreda frente ao juiz. Quando é lida a sentença, passam-lhe, pelo azul dos olhos, instintos homicidas e ganha trejeitos de vingança, evocando cossacos ferozes que cortam cabeças a golpes de sabre como quem abre maçãs ao meio. Um arrepio de medo percorre os presentes que, numa espécie de consciência colectiva, se lembram em simultâneo que o edifício não está vigiado, que não há um segurança na entrada, que é livre o acesso aos gabinetes e que a esquadra mais próxima fica demasiado longe. Que cada um entra com aquilo que bem quiser nos bolsos, desde facas a más intenções. E que é só uma questão de tempo até que uma tragédia no tribunal, tantas vezes anunciada, abra com pompa e circunstância um qualquer noticiário das oito.