17/09/2008

o esperto saloio

Tem dez filhos em Cabo Verde e outros tantos em Portugal, e di-lo com um orgulho infantil, como se mais homem por isso. Apesar das origens africanas, a esperteza é saloia: às perguntas, finge que não ouve, que não percebe e, quando responde, mente. Acontece que os sons das férias ecoam ainda pela sala: o arrulho do mar, o riso morno dos miúdos que pelam do nariz, o ladrar de um cão ao longe, as carícias fugidias do vento suão. Ninguém está receptivo a minorias palradoras que endrominam tribunais logo às nove da manhã. Numa subserviência forçada, de costas curvadas e cabeça baixa, o arguido jura pelas alminhas e pelos santinhos, pretensamente indignado com o desplante da acusação. Numa acareação improvisada, teima com o polícia que não, que não bebeu nem conduziu, embora não o olhe a direito, nem sequer de viés. Sabe que a multa vai doer, que o seu único trunfo é o jeito natural para espalhar a semente e atira com a filharada pequena à cara ensonada do tribunal. Que a segurança social já lhe tirou dois, que se não tiverem que comer lhe tira os outros. Pior a emenda. Perante o descalabro parental, vai-se a réstia de boa vontade de quem decide, e por momentos congeminam-se vinganças e prisões efectivas. O sol lá fora, a espraiar-se pelo alumínio das marquises do subúrbio, não ajuda.