13/02/2008

o senegalês ilegal

Conversa com o intérprete, gesticula com convicção e sorri a espaços. Está cá há quatro anos, embora nem uma palavra de português. É servente de pedreiro, mas vive da venda ambulante. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras aprestou-se a trazer ao tribunal este homem, claramente nocivo para o país com as suas girafas de pau-santo, colares de falso marfim e relógios chineses. Pressurosos, estes inspectores que aguardam lá fora, na sombra. Apanham muitos ilegais, mas preferem putas e velhos, porque será. Embora este não seja assim tão velho, só parece. Vive sozinho num quarto alugado, está colectado nas finanças e tem o passaporte em dia. Sobre ele impende o paradoxo de muitos imigrantes: precisa de autorização para arranjar trabalho, mas ninguém lhe dá contrato sem ter os papéis em ordem. De repente, escorre-lhe um fio de queixume da voz e azeda-se-lhe o olhar grisalho. Parece que é muçulmano e que lhe serviram porco à alentejana na cela, o prato do dia na cervejaria em frente. Um desperdício, desabafou o secretário, quando lhe entregaram a factura com pingos de gordura para que pagasse, a adiantar pelos cofres.