12/02/2008

o cigano que era o irmão dele

A sala agita-se, o arguido é um cigano conhecido nas redondezas, um famoso, descendente de uma longa linhagem de desdenhosos da lei. Os parentes mais próximos, de cinturas largas e gestos desabridos, acumulam-se na sala e no corredor. O juiz pergunta ao arguido se este é o não sei quantos. Que não, que esse era o irmão dele, que morreu da droga na prisão. Insiste o juiz, mas o seu irmão não tinha levado um tiro da polícia? Esse é um outro irmão, intervém o advogado. O juiz não se convence, a conversa cresce e vai animada, o funcionário dá uma achega, nos meios pequenos é assim, todos se conhecem. Às tantas, do fundo da sala, a mãe dos vivos e mortos interrompe, esclarecendo de vez a questão das identidades trocadas. Sorri, contente com a atenção do juiz, do senhor doutor. Mas de repente lembra-se de que fala dos dois filhos mortos e que tem que os carpir, de preferência bem alto para que os parentes, incluindo os que esperam na mercedes amarela, não duvidem um bocadinho que seja do seu desgosto de mãe, que quase a mata. Saca de um gemido gutural que transforma num ai prolongado e a sessão é interrompida. O juiz espera que, como no universo, a ordem se restabeleça de modo natural e por si, demore lá o que demorar. Finge consultar o processo e mergulha os olhos medrosos na resma de papel cosido; polícias não há nas imediações, merda. E pensa que talvez já esteja na altura de começar a refrear esta sua vontade de se tornar íntimo das estrelas.