11/02/2008

O arguido que não queria falar

Com uma denúncia, começa sempre com uma denúncia, naquele café está uma roleta que dá dinheiro. Este país é muito assim, pequenino e medricas, um rosto irrelevante (que seria desprezível se por acaso atentássemos nele) escondido atrás de um telefone, de um email, de uma folha de papel. O arguido vinga-se, já que falaram demais, agora é ele quem não fala. Na verdade não é desforço, é estratégia: o advogado disse-lhe que se cale, que nada confesse e ele cumpre, que o doutor é que sabe. É-lhe perguntado o nome, a filiação, a naturalidade. Olha receoso para a esquerda do púlpito, está na dúvida. Ao aceno subtil do advogado, que finge cofiar a barbicha de bode, responde a tudo, mas responde baixinho. Hesita envergonhado no segundo nome do pai, que não chegou a conhecer. Se já respondeu em Tribunal. E ele mudo, os olhos aflitos e os sons a quererem fugir-lhe da boca cerrada, a cabeça que acena ligeiramente, não se percebe se num não se num talvez. Então o juiz percebe a razão dos silêncios, dos balançares, da estranha linguagem corporal e lembra-lhe de que, quanto aos antecedentes criminais tem que falar e falar com verdade. Ele não acredita, acha que é uma armadilha; um embuste para que desagrafe a boca e confesse o chorrilho dos seus pecados, e por isso continua calado, os olhos agora no chão, fixos nos nós do soalho. Finalmente o advogado, que responda ao meretíssimo, o silêncio vem depois. O corpo descontrai, e o alívio que dele flui quase se ouve contra os quatro cantos da sala. Que não, que nunca respondeu nem esteve preso.