15/05/2013

o negociante de amêijoas e a esposa com voz de cama


A Andreia Vanessa, testemunha do negociante de amêijoas, um homem gordo e suado, entra na sala com enormes mamas falsas, cintura de vespa, top pelo esterno, decote para maiores de vinte e um, cabelo oxigenado  e unhas de gel dourado, quase do tamanho dos dedos. Perguntada, diz que “não tem profissão” e, quanto ao estado civil, que é casada com o arguido. Jura dizer a verdade e nada mais que a verdade, com uma voz lânguida  de quem acabou satisfeita e se prepara para acender um cigarro, ainda embrulhada nos lençóis. Arma pesada da defesa, portanto. Bem mais pesada do que a seis trinta e cinco de cuja posse o negociante está a ser acusado. Enquanto a testosterona judicial esvoaça pela sala e aterra em queda livre nos implantes suburbanos, a guerra entre a procuradora e a advogada mantém-se acesa, ambas bem focadas nos seus propósitos. A primeira sabe que já perdeu, porque nunca teve prova, e até poderia estar-se nas tintas e limitar-se a pedir a costumada justiça, mas os sucessivos requerimentos, excessos de zelo e arrogância da outra, despertaram-lhe o brio e, qual espártaco ferido perante crasso, lá vai dando as suas facadas, mesmo sabendo-se derrotada. O juiz, intimidado com tanto arremesso feminil, compõe à pressa um ar sério, indiferente aos argumentos explosivos da “esposa” do ameijoeiro e assistindo impávido à batalha campal. A procuradora às tantas capitula, que aquilo já são horas de almoçar, enjoada com o exibicionismo da advogada e as pavorosas excrescências nas unhas da Andreia Vanessa. O arguido mantém-se cabisbaixo e ela sabe-o, no fundo,  inocente. Tão inocente que, quando a mulher, bem ensinada e com voz de cama, afirma que no escritório “andava tudo à vontade, toda a gente entrava e saía, entrava e saía…”, a perversidade dispara na sala e a procuradora quase que vê duas ligeiras protuberâncias a despontar na testa suada do pobre homem. Corno manso, pensa para si, enquanto sorri de mona lisa. Ele há muitas maneiras de ganhar.