06/10/2008

a romena das nossas senhoras

Vende isqueiros, pensos rápidos e imagens da nossa senhora de fátima, e tem um ar duro, com os cabelos escuros pintados de amarelo agarrados num rabo de cavalo que lhe dá quase pela cintura, os dentes maltratados, o corpo largo e pesado. Fincando os braços cruzados sobre um busto grande e resoluto, mistura espanhol com italiano, enquanto os olhos pequenos e acossados perscrutam a sala, lampejando desejos de vingança e fuga. Está aflita, mas é uma sobrevivente e não será por isto que. Ao lado dela, uma professora brasileira traduz com enfado as mentiras que vai debitando. Diz que não percebe porque a prenderam e porque lhe tiraram o relógio que tinha no pulso, um presente do pai. Que esteve em Espanha mas não gostou, pois vende-se menos e vive-se pior, por isso regressou a Portugal. Não tem passaporte, não mora em lado nenhum, mas não sabe que está ilegal pois pensou que pudesse passear-se livremente pela union europea. Que o polícia a agarrou pelos cabelos, o bruto, e lhe tirou o relógio, un presente do mio padre. A procuradora, curiosa, abre o envelope agrafado no verso dos autos e retira o tão desejado relógio do seu interior. Constata, abismada, que é de uma marca de luxo, daquelas por si namoradas nas tardes de domingo em que enxota a solidão pelas montras do montijo shopping. Com diamantes verdadeiros à volta do mostrador madrepérola, tem uma bracelete de borracha cor-de-rosa, característica da marca em questão, que ela não resiste a dobrar de um lado para o outro, oferecendo os pequenos diamantes à luz que entra pela janela de saguão da sala de julgamentos, encantada com o efeito brega chique que resulta do contrate entre a borracha e as pedras preciosas. Enquanto isto, a romena insiste que o relógio foi presente do pai e quer à força que lho devolvam, choramingando uma ladainha incompreensível com um olhar assassino. Dentro do envelope, estão ainda umas cartas velhas: um dois de paus, um dez de ouros, um joker, uma dama e um plástico duro e curvado, gastos de tanto serem usados para soltar os trincos das fechaduras e limpar residências onde pousam, descansados, dentro das suas caixas de alcântara, relógios de diamantes. Instada sobre para quê as cartas, a arguida olha nos olhos da procuradora e diz-lhe, sem um pingo de vergonha, perdido por cem perdido por mil, para o poker, señora, las cartas son para djogar poker.